Eternos Campeões – Waldomiro Schützler
Muito mais que um eterno campeão, Waldomiro Schützler sempre será lembrado como o eterno presidente do Joinville Esporte Clube. Com 10 títulos estaduais conquistados em 17 anos no comando do JEC, sendo 8 títulos consecutivos e campeão logo no seu primeiro ano de gestão, Waldomiro foi o dirigente mais vitorioso do clube e de todo o futebol de Santa Catarina.
Waldomiro cedeu uma entrevista exclusiva para o site oficial do JEC no apartamento em que se mudou recentemente, no Centro de Joinville. Apesar da idade avançada, o homem de andar lento, problemas de audição e mãos trêmulas, impressiona pela sua capacidade de lembrar, com detalhes, de jogos e contratações que aconteceram há mais de 20 anos. Folheando um álbum com várias fotos e recortes da fase áurea do clube, ele era capaz de citar a formação de todos os times campeões desde 1976.
Em nome de toda a torcida tricolor, agradecemos a Waldomiro Schützler pelas glórias alcançadas com o Joinville Esporte Clube, e que Deus lhe reserve muita saúde e muitos anos de vida.
A entrevista
Nome: Waldomiro Schützler
Nascimento: 27/01/1932 – Falecimento: 01/10/2014
Como curiosidade, Waldomiro conta que a história do Joinville se confunde com a sua história de vida até na data de aniversário: “Eu faço aniversário quase na mesma época do JEC. O JEC é no dia 29 e eu faço no dia 27 de janeiro”
Naturalidade: Campo Alegre/SC
“A verdadeira história do JEC”
Waldomiro inicia a entrevista dizendo que “a verdadeira história do JEC” nunca foi contada. Nessa entrevista ele fez algumas revelações um tanto surpreendentes e que contrariam muita coisa que já foi dita sobre a história do clube.
Sua gestão
Antes de assumir a presidência do JEC, trabalhava como gerente de banco. A convite do empresário João Hansen Jr, um dos fundadores do JEC, em janeiro de 1976, iniciou a sua vitoriosa história como presidente do Joinville Esporte Clube.
Permaneceu no comando do clube por 17 anos, até janeiro de 1993. Durante sua gestão, trouxe vários jogadores de alto nível para clube, conquistou muitos títulos e participou com destaque de campeonatos nacionais.
Waldomiro conta que era muito difícil ser presidente do Joinville, teve muitos atritos com a imprensa e empresários, mas não guarda nenhuma mágoa ou rancor. E se pudesse voltar ao passado, seria presidente do JEC outra vez: “Foi uma fase muito boa da minha vida. Hoje claro que não porque já estou com uma idade avançada e tenho problemas de saúde. Já fui operado por câncer e já tive infarto.”
Companheiros de diretoria
Waldomiro também atribui o sucesso que teve como presidente aos seus “companheiros de diretoria”, como ele chama as pessoas que o auxiliaram durante a gestão no clube.
“Qualquer sociedade não funciona na base de uma pessoa só, precisa da colaboração de um grupo de pessoas. O sucesso do JEC não pertence somente a mim, pertence à cidade, a toda torcida, aos associados… desde o roupeiro, massagista até o presidente do clube. Todos merecem ser lembrados”
“É ruim citar nomes porque sempre acabo esquecendo alguns”. Mas citou nomes que tiveram maior destaque durante sua administração do JEC: Rolf Koentopp (diretor financeiro), Waldomiro Falcão (principal mentor do JEC-Ouro), Dr. Gert Baggenstoss (departamento médico) e fundadores do clube como: João Hansen Jr. (presidente de hora do clube), João Hansen Neto (primeiro vice-presidente do JEC) e Carlos Roberto Hansen (Cau Hansen, que também foi vice-presidente).
Fusão Caxias-América
Waldomiro conta que não teve participação no processo de fusão Caxias-América, nem foi consultado a respeito, apenas foi convidado para ser o primeiro presidente do JEC. Convite este que aceitou com muito orgulho.
Mas considera que a fusão foi a salvação do futebol na cidade. “Se não houvesse a fusão, o futebol acabava na cidade”.
Títulos
No comando do Joinville por 17 anos, conquistou dez vezes Campeonato Catarinense: 1976, 1978/79/80/81/82/83/84/85 (octacampeão) e 1987. E venceu o Torneio Incentivo de 1976 e títulos de turnos de estaduais, como as Taças Governador.
Chegou a ser vice-campeão estadual em 1989 e 1990. E teve boa participação durante 10 anos na principal divisão do Campeonato Brasileiro, de 1977 a 1986.
Título mais difícil
Entre os 10 títulos estaduais que ganhou com o JEC, Waldomiro dá maior destaque ao de 1985, o do OCTACAMPEOANTO.
O JEC teve que disputar a final contra o Avaí na cidade de Itajaí, pois a Federação havia interditado o Estádio Ernestão. Ele conta que havia um complô para que o JEC não ganhasse o título. “Antes levava 10 ou 15 dias pra Federação julgar qualquer caso. Nós tivemos um problema com nosso estádio aqui no domingo, e na quarta já tinham interditado. Fizeram uma reunião específica pra julgar o caso do Joinville.”
A interdição do estádio Ernestão se deu por conta de uma grande confusão no jogo contra o Internacional de Lages que terminou 0 a 0. “A arbitragem foi muito mal nesse dia, nos prejudicou, anulou gol, não deu pênalti. Quando terminou o jogo, a torcida entrou em campo e eu também invadi”. Todos foram para cima de Miguel Laureano (árbitro do jogo), então ele teria revidado e acertado um golpe na cabeça de Waldomiro. O golpe deslocou a retina de seu olho. “Eu tive que operar e não pude acompanhar a decisão em Itajaí. Depois da cirurgia houve uma complicação e eu acabei perdendo totalmente a visão do olho esquerdo. Embora tenha procurado vários especialistas e feito uma segunda cirurgia, mas não deu pra resolver mais o problema.”
Na decisão em Itajaí contra o Avaí, logo a um minuto de jogo, João Carlos Maringá que havia retornado nos jogos do hexagonal, após uma séria contusão lombar, fez o primeiro gol da partida. E no último minuto de jogo, Geraldo Pereira, um dos destaques da campanha, cruzou forte e Paulo Egídio só completou. Começava a festa do octacampeonato, o título mais difícil e o de maior comemoração, segundo Waldomiro.
JEC
Waldomiro lamenta profundamente a atual momento do clube por estar fora de qualquer divisão do futebol brasileiro*. Mas elogia o trabalho de reestruturação da atual diretoria e diz ter muito bom relacionamento com Márcio Vogelsanger e Fontan.
(* Entrevista concedida em 2009, quando o JEC estava fora de qualquer divisão do futebol nacional)
Sempre acompanha os noticiários esportivos e se diz atualizado em relação ao dia-a-dia do JEC: “leio jornal, acompanho os programas esportivos da televisão e do rádio. Sei das últimas contratações que chegaram e inclusive tem até um argentino.”
Ele lembra do primeiro jogador argentino que vestiu a camisa do JEC, Raul Giustozzi. “Foi no Brasileiro de 77. Nós não fomos campeões estadual, então fizemos boas contratações para reforçar a equipe. Trouxemos do Colorado, que havia sido campeão paranaense na época, o zagueiro Gilson, o lateral-esquerdo Raul Giustozzi e o Edu Antunes.”
Gosta muito de ir ao estádio ver os jogos, mas devido a problemas de saúde, foi apenas uma vez este ano, no jogo JEC 2×0 Brusque pelo campeonato estadual. “Eu tenho tontura ao andar na rua. E dependo de condução, porque eu não posso dirigir mais.”
Apesar do um convívio social limitado, recentemente participou da “Feijoada Tricolor” (evento de confraternização entre torcedores que homenageou vários eternos campeões do Joinville Esporte Clube). No ponto alto da festa, Waldomiro recebeu homenagens e fez um emocionante discurso, contando um pouco da história do JEC.
JEC-Ouro
Schützler revela que, ao contrário do que todos pensam, o “caixa-forte” do JEC não era a companhia Hansen com o patrocínio Tigre, mas sim o carnê de prêmios JEC-Ouro. Esse carnê de prêmios rendia grande retorno financeiro ao clube, mas se encerrou em 1990.
Para funcionar, o JEC-Ouro tinha que ter uma autorização do Ministério da Fazenda. Na época do então presidente do país Collor de Mello, quando Zélia Cardozo de Mello assumiu o Ministério da Fazenda, ela extinguiu todas as promoções e loterias existentes como a do JEC-Ouro.
Waldomiro conta que o JEC sempre teve equipes fortes até 1990. Com o fim do JEC-Ouro, a receita do clube caiu bastante e ficou difícil manter equipes fortes.
Patrocínio Tigre
Waldomiro conta que durante a sua gestão no JEC, a empresa Tigre sempre patrocinou o JEC, mas não pagava para expor sua marca nas camisas. “Ela dava a sua contribuição mensal ao JEC, como outras empresas também davam, mas nunca pagou para estampar a sua marca nas camisas. O Cau, que era o vice-presidente na época, me disse que se tiver alguma outra empresa que queira patrocinar o JEC, abriria espaço na camisa pra aumentar a receita do JEC”.
Logo, a Kohlbach e a Campeã entraram como patrocinadoras. Mas mesmo depois de tirar a marca Tigre das camisas, a empresa Tigre continuou dando a mesma contribuição mensal que sempre dava ao clube. “Não houve um rompimento. Foi uma deliberação da própria empresa pro JEC arrumar outro patrocinador que pagasse a propaganda na camisa”.
Ampliação do Ernestão
Waldomiro comenta sobre a ampliação do Estádio Ernestão, feita para disputar o Brasileiro de 1977. “Para disputar o Brasileiro, tinha que ter estádio para no mínimo 20 mil pessoas. Nós fizemos um projeto e decidimos fazer com aquelas tubulares. A arquibancada foi feita em três meses.”
Ele cita até os valores gastos na época e o empréstimo que teve que fazer: ‘’As arquibancadas custaram na época 12 milhões de cruzeiros. Nós não tínhamos o dinheiro, então foi feito um empréstimo, através do Governo do Estado, com o Banco BESC de 8 milhões e o resto do dinheiro nós arrecadamos vendendo cadeiras.”
Após o JEC mandar seus jogos estádio municipal Arena Joinville, em 2005, essas arquibancadas de madeira suspensas em tubulares metálicas do Ernestão foram desmontadas pelo Caxias F.C., proprietário do estádio.
Patrimônio do clube
Sobre patrimônios do clube, Waldomiro discorda quando comentam que ele só cuidou do futebol e não deixou nenhum patrimônio para o JEC. Para ele, o maior patrimônio de um clube de futebol são os títulos e a sua torcida.
Ele comenta da importância de montar bons times de futebol. “Eu cuidei do futebol porque na época, só o campeão estadual participava do Campeonato Nacional. Se não tivesse um bom time, não ia pro nacional.”
Terreno na Rua Santa Catarina
Waldomiro fala sobre o terreno localizado na Rua Santa Catarina, na região conhecida como “Catarinão” em Joinville: “Aquele terreno vale mais do que qualquer patrimônio material que JEC possui hoje.”
O terreno que pertencia ao JEC tem uma área de 40.181 metros quadrados. Em 2004, a então diretoria do clube tentou trocar por outro terreno, na Avenida Santos Dumont, a poucos quilômetros do aeroporto.
Mas o Ministério Público impediu o negócio, alegando que o Joinville teria levado tempo demais para construir um centro esportivo e deveria devolvê-lo ao Estado. O MP também questionou a troca de terrenos sem concorrência pública. O processo está parado na Vara da Fazenda de Santa Catarina e deve levar alguns anos para ter um desfecho.
Foi o ex-presidente quem negociou com o Governo do Estado para que a área fosse doada ao Joinville. “Eu fiz algumas viagens a Florianópolis para conseguir essa doação”. Primeiro tentou com o então governador Pedro Ivo Campos, que negou o pedido alegando que não poderia abrir uma exceção ao JEC.
Somente na gestão seguinte, de Cassildo Maldaner, que Waldomiro finalmente conseguiu que o terreno fosse doado, em 1991. Ele conta que Sadi Lima, então presidente do Figueirense na época, interferiu a favor do JEC, convencendo Maldaner de que como o Estado já havia ajudado o Figueirense, o Avaí e o Criciúma, então seria justo ajudar o Joinville também.
Waldomiro não concordou com a decisão das gestões seguinte, de trocar aquele terreno. Para ele, ali na Rua Santa Catarina era bem mais valorizado e próximo do centro.
Ele conta que deixou projetos para que ali fosse construída uma sede social, um ginásio esportivo e até um estádio de futebol. “Poderia ter feito pelo menos um Centro de Treinamentos ali, perto do centro da cidade.”
Federação Catarinense
Quando o Joinville foi fundado, o presidente da Federação catarinense era o joinvilense José Elias Giuliari. “O Joinville deve uma gratidão muito grande ele. Tinha muita força junto a CBF, inclusive, o Joinville foi campeão estadual em 76 e em 77, nós já entramos no Nacional”, até então, somente os clubes da capital tinham o direito de disputar o Campeonato Brasileiro.
Waldomiro conta que sempre teve bom relacionamento com os presidentes da Federação. Depois de Giuliari, assumiu Pedro Lopes (de 83 a 85) e a partir de 1986, Delfim se tornou presidente. “Com Delfim, eu tive atritos por problemas de arbitragem. Mas tudo foi contornado e continuamos amigos”.
Arbitragem
Para Waldomiro, durante sua gestão, o JEC não teve grande influência de arbitragem. “Os árbitros acabam prejudicando todos os clubes, mais por causa da falta de conhecimento da interpretação das regras. Pode até existir um ou outro desonesto, mas é difícil provar”.
Teve desavenças com o Delfim, principalmente por causa de arbitragens em jogos contra o Marcílio Dias. Waldomiro conta que antes de presidir a FCF, Delfim era presidente do Marcílio, fato que sempre gerou muitas suspeitas.
Waldomiro considera o Dalmo Bozzano como o melhor árbitro que já existiu em Santa Catarina. “Ele era muito enérgico. Dizia que como não ganhava hora-extra, então não dava descontos nos jogos, sempre encerrava aos 45 minutos”. Conta que Dalmo perseguia alguns jogadores do JEC como Jorge Luis Carneiro e Geraldo Pereira: “Sempre levavam cartão do Dalmo e acabavam ficando suspensos nos jogos seguintes.”
Decepção
A maior decepção de Waldomiro no comando do JEC foi a perda do título estadual de 1977. Nesse ano, o JEC venceu as duas primeiras fases do campeonato e entrou com dois pontos de vantagem no pentagonal final, porém terminou a competição em quarto lugar. “Entramos com dois pontos de vantagem no pentagonal e ainda ganhamos a primeira partida em casa da Chapecoense, que foi a campeã daquele ano.”
Waldomiro lembra até os detalhes desse jogo que ocorreu há mais de 30 anos: “Foi um jogo noturno no Estádio do América. Um gol de Rinaldo, no segundo tempo”.
Como a vitória valia 2 pontos na época, o JEC largou com 4 pontos de vantagem sobre a Chapecoense, no pentagonal final que era disputado em turno e returno. Mas o Joinville tropeçou nos jogos seguintes, deixando escapar para a Chapecoense um título que lhe parecia certo.
Seleção de jogadores
Quanto aos os jogadores que atuaram pelo JEC, Waldomiro comenta a qualidades dos times que formou na sua gestão: “O JEC teve tantos jogadores bons que daria para fazer até três times melhores que esses que estão disputando o Brasileiro.“
Ele lembrou alguns jogadores de maior destaque, citando-os de acordo com a posição que atuavam.
Goleiros: Walter; Borrachinha; Barbiroto; Raul Bosse.
Lateral-direito: Alfinete; Galvão; João Carlos.
Lateral-esquerdo: Carlos Alberto “que foi pro Flamengo”; Jacenir “que foi para o Corinthians”; Ladinho “que havia sido campeão pelo Grêmio e veio pra cá”.
Zagueiros: Vágner Bacharel; Adilson Gonçalves, Adilço; Léo; Edinho “que depois foi vendido pro Palmeiras”.
Volantes: Jorge Luis Carneiro; Piava; Dorival Júnior “que hoje é técnico do Vasco.”
Meias: Nardela; Barbieri; Waldo; Moreno; Fontan.
Atacantes: Geraldo Pereira; Britinho; Ademir Padilha; Paulo Egídio; John Wagner; Lico; Zé Carlos Paulista; Paulinho Cascavel.
Waldomiro dá grande destaque a Paulinho Cascavel: “Pra mim, foi o melhor atacante que passou pelo JEC. Foi um luta pra trazê-lo do Fluminense e depois do JEC ele foi pro Porto de Portugal”. Com 27 gols marcados no estadual de 1984, Cascavel tornou-se o segundo maior goleador de uma edição do Campeonato Catarinense, atrás apenas de Norberto Hoppe que marcou 33 gols em 1966.
Treinadores
Entre os treinadores, Waldomiro destaca Diede Lameiro como o melhor. “Ele já tinha trabalhado em grandes clubes, veio pra cá com métodos avançados e organizou o futebol da equipe.”
Mensagem para a torcida
Waldomiro finaliza a entrevista agradecendo o carinho que sempre recebeu da torcida, que segundo ele, sempre lotou o estádio “tinha jogo que não cabia mais ninguém no estádio”.
E deixa claro ama muito o Joinville e torce pelo sucesso do clube. “Nós tínhamos um grande time. Hoje temos um grande estádio, mas infelizmente não temos um grande time. Espero que esse grande time surja este ano e possa ser campeão dessa Taça Santa Catarina e fique uma boa equipe montada pro ano que vem”.
Ele ressalta a importância da torcida de continuar apoiando o clube: “Os sócios e a torcida em geral não podem perder a fé. Problemas acontecem em qualquer equipe.”
“Tem que ter amor ao clube e prestigiar porque as alegrias vão voltar.”
Waldomiro Schützler